Capoeira
A Capoeira é uma prática cultural Afro-brasileira multifacetada, ao mesmo tempo em que é luta é também dança, é compreendida como folclore, como esporte e até como arte.
A roda é onde acontece o jogo. Duas dimensões estão sempre presentes, o lado lúdico da festa, da brincadeira e o outro da resistência, reação contra o sistema opressor. Os capoeiristas cantam, batem palmas, tocam instrumentos de percussão, No centro da roda duplas se revezam para jogar, os movimentos exigem destreza, podem ser sutis, vigorosos e até acrobáticos. Os passos são muito difíceis e demonstram agilidades incríveis com o corpo. A beleza e a energia da música e dos movimentos conquistam e seduzem os participantes e o público. A roda de capoeira é um espaço profundamente ritualizado, congrega cânticos e gestos que expressam uma visão de mundo, a hierarquia, um código de ética e que revela o companheirismo e solidariedade. A roda é uma metáfora da vastidão do mundo. Com suas alegrias e adversidades é na roda de capoeira que se forma e se consagram grandes mestres e onde se transmitem e se reinteram práticas e valores Afro-brasileiras tradicionais.

A roda é composta por um grupo de pessoas formado pelo mestre o contramestre e seus discípulos. Homens e mulheres podem ocupar qualquer uma dessas funções desde que tenham passado pelos fundamentos específicos. O mestre é o grau mais alto na hierarquia da roda de capoeira, o mantenedor da cultura, guardião de todos os saberes.
O Elemento Negro
Portugal importava escravos negros desde 1443. Foi o primeiro país da Europa a desenvolver, nos tempos modernos, o comércio de escravos. Isto foi possível em consequência de seu domínio sobre as terra da África. Tal comércio rendia grandes lucros aos traficantes.
Com a implantação e o desenvolvimento da atividade açucareira no Brasil, surgiu a necessidade de braços para trabalhar na lavoura. A princípio, os colonizadores utilizavam-se dos índios, mas a sua escravização trazia alguns inconvenientes, pois eles, vivendo em constantes lutas, perturbavam os planos do colonizador. Por isso, foram sendo eliminados. A solução, então, foi implantar no Brasil o tráfico negreiro, que já era utilizado nas colônias espanholas da América. Um grande comércio foi reorganizado para atender as necessidades dos senhores de engenho. Este comércio, ao contrário da escravização do índio, proporcionava enormes lucros à Coroa portuguesa. Por esta razão, foi grandemente estimulado.
Segundo as mais corretas estimativas, de 1568 a 1859, o tráfico negreiro foi responsável pela introdução no Brasil de um total de , aproximadamente, 3600000 escravos. Estes negros pertenciam principalmente a dois grupos africanos:
- Bantos: tribos negras do sul da África, geralmente de Angola e Moçambique, que era trazidas principalmente para Pernambuco e Rio de Janeiro;
- Sudaneses: tribos negras de Daomé, Nigéria e Guiné, que foram trazidas principalmente para a Bahia. Tinham um nível de conhecimento agrícola mais elevado que o dos bantos.
O transporte dos escravos saídos da África era realizado pelos navios negreiros, os negros eram colocados nos porões destes navios, onde o espaço era insuficiente, o ambiente escuro e o calor insuportável. Não havia ar livre para se respirar. Além disso, a água era suja e faltava alimento. Durante as horríveis viagens morriam de 20 a 40% dos negros, em razão dos maus tratos recebidos e das péssimas condições de transporte. Por isso, em Angola, esses navios eram chamados de tumbeiros, palavra relativa a tumba ou sepultura.
Um duro trabalho era reservado aos negros que conseguiam sobreviver às cruéis viagens. Chegando ao Brasil, eles eram vendidos no mercados de escravos e algum tempo depois já estavam trabalhando para os seus proprietários, à base de chicote. Realizavam os mais diversos tipos de atividades nas casas, na lavoura, na mineração. Embora os escravos possuíssem admirável resistência física o excesso de trabalho e os maus tratos recebidos acabavam lhes afetando, rapidamente, o estado de saúde. Por esta razão, a média de vida dos escravos não ultrapassava 25 anos. Para os proprietários, a morte de um escravo significava, apenas, a perda de uma mercadoria. O seu problema se resolvia com a compra de outro escravo.
Aspectos históricos da Capoeira

Há uma grande controvérsia em torno da história da capoeira sobretudo no que se refere ao período compreendido entre o seu surgimento, provavelmente no século XVI e o século XVII, quando aparecem registros confiáveis, com descrições detalhadas da luta.
A discussão é interminável: pesquisadores, folcloristas e africanistas ainda buscam resposta para seguinte questão: a capoeira é uma invenção africana ou brasileira? Teria sido uma criação do escravo com sede de liberdade? Ou uma invenção do indígena?
As opiniões tendem para o lado brasileiro e aqui vão alguns exemplos: no livro a Arte da Gramática da língua mais usada na costa do Brasil, do padre José de Anchieta, editada em 1595, há uma citação de que “os índios tupi-guaraní divertiam-se jogando capoeira”. Guilherme de Almeida, no livro Música do Brasil, sustenta serem indígenas as raízes da capoeira. O navegador português, Martim Afonso de Souza observou tribos jogando capoeira. Como se não bastasse, a palavra capoeira (caápuêra) é um vocabulário tupí-guaraní que significa “mato ralo” ou “mato que foi cortado”.
Também o estudioso Waldeloir do Rego, que escreveu o que foi considerado o melhor trabalho sobre este jogo, defende a tese de que a capoeira foi inventada no Brasil. Brasil Gerson, historiador das ruas do Rio de Janeiro, acha que o jogo nasceu no mercado, quando os escravos chegavam com o cesto (capoeira) de aves na cabeça é até serem atendidos, ficavam brincando de lutar, surgindo daí a verdadeira capoeira. Por fim, câmara cascudo afirma “ter sido trazida pelos Banto-congo-Angoleses que praticavam danças litúrgicas ao som de instrumentos de percussão”, transformando-se em luta aqui no Brasil.
Os estudos de BREGOLATO (2008) e CRUZ (2010), entre outros, sustentam a ideia de que a capoeiragem teria realmente surgido em solo brasileiro e teria sido criada pelos negros que foram escravizados. De acordo com FERREIRA (2007):
Tudo leva a crer que ela não era uma prática originaria da África, mas que foi criada pelos escravos africanos no Brasil, possivelmente uma recriação de diversos rituais e danças guerreiras. Estes rituais e as danças foram aos poucos se amoldando ás necessidades e ao novo tipo de socialização que os africanos foram submetidos no cativeiro.
FERREIRA, 2007
Porém MARINHO (1956) sustenta a ideia de que a Capoeira, antes de chegar ao Brasil, já era praticada em Angola, como uma dança religiosa. Mestre Noronha7, que é conhecido no mundo da capoeira e praticante de uma das maiores escolas capoeiristicas do país, sustenta a ideia de que “a capoeira veio da África, porém não era educada” (MILANI, 2011).
Corroborando com MARINHO (1956), DACOSTA (sem data) afirma que:
A forma primitiva da capoeira chegou ao Brasil com os negros bantu, originários da África Ocidental. Essa fase inicial deve ter sido uma espécie de dança ritual, pois, ainda hoje, na Bahia, se observam ligações da capoeiragem com crenças, cerimoniais e cânticos fetichistas.
DACOSTA, sem data
Concordando MARINHO e DACOSTA, as enciclopédias BARSA (…, pag. 79) e DELTA UNIVERSAL (…, pág. 1730), nos descrevem “que a origem capoeirana é da África, e chegou ao Brasil trazida pelos negros bantus da região de Angola no século XVI”. CIVITA (sem data pag. 736), também diz que: “é da África, mas lá não era igual à luta que é praticada aqui até hoje, essa luta estava associada a uma cerimônia mágico-religiosa com denominações regionais: n’ golo em Benguela (sul de Angola)”, onde DECÂNIO FILHO (1996) traz a idéia dessa manifestação também ser conhecida como dança das zebras, que acontece quando as moças têm a menarca passando a ser mulheres e, nesse período, há uma festa onde ocorre a dança em que o rapaz vencedor da mesma tem o direito de escolher a esposa entre as novas iniciadas, considerada tradição da luta com os pés, e a Bassúla em Luanda capital ao norte de Angola onde, de acordo com ALLEONI (2010 pag. 28), “essa luta era praticada na areia pelos antigos pescadores daquela região, com golpes desequilibrantes, entre outras como a Kambangula e o Omundiú”.
Reforçando essa descrição, de acordo com E SOUZA (2005 Pag. 131), Pastinha contou ter aprendido a luta com um escravo vindo de Angola, chamado Benedito, que lhe ensinou a capoeira, que vinha da dança africana chamada n’golo. Nessa dança, os combatentes se enfrentam no centro da roda, ao som de tambores e palmas, dando golpes de pés e cabeça e tendo apoio das mãos. Isso nos leva a crer que realmente a capoeira teria vindo da África, mais especificamente da região de Angola, sendo derivada do n’golo e conduzida pelos escravos bantus.
Contudo:
Dizer que a Capoeira é africana porque os africanos já dançavam o N’Golo (ou Kisema) ou que já lutavam a Bassúla ou a Kambangula é reduzir a Capoeira a uma forma limitada de expressão corporal, seja à dança ou à luta. Esquece-se, portanto que a união destas e de outras expressões corporais mais a musicalidade e mais o toque de instrumentos musicais é que completam a arte da Capoeira. O N’Golo é um ritual onde se procura atingir o rosto do oponente com os pés. A Bassúla é uma luta praticada na areia pelos antigos pescadores de Luanda, com golpes desequilibrantes. A Kambangula é disputada dentro de rodas, com pessoas batendo palmas e cantando, porém sem nenhum acompanhamento de instrumento musical. O Omundiú é um jogo atlético disputado com as pernas. Existem também as diversas outras danças acrobáticas, com saltos e movimentos parecidos aos incorporados pelos capoeiristas. (ALLEONI, 2010 pag.27).
Seguindo a idéia de ALLEONI, a capoeira pode não ter se originado apenas de uma só dança ou luta africana, pelo fato de que, se observarmos uma dessas manifestações isoladamente, veremos que a capoeiragem possui mais elementos do que só o n’golo ou outra manifestação que por si só lembre a capoeira. Ela pode ter nascido de um acontecimento que se deu através das miscigenações dos negros de diferentes localidades por meio de uma estratégia que, de acordo com RIBEIRO (1995 pag. 115), era a política de evitar a concentração de escravos oriundos de etnias iguais, nas mesmas propriedades e, até mesmo, nos navios negreiros, impedindo a formação de núcleos solidários”.
Os europeus não queriam aglutinações de escravos da mesma localidade, ficando assim mais difícil as articulações de fugas ou manifestações de suas culturas. Essa miscigenação de etnias pode ter sido o motivo de a capoeira conter elementos de manifestações africanas e não ser oriunda de nenhuma delas.
De acordo com ALLEONI (2010 pag. 27), se unirmos componentes do n’golo, bassúla, kambangula, entre outras manifestações africanas, é possível ficar bem próximo da arte hoje conhecida como capoeira. Porém não sendo a capoeiragem que se jogou e que se joga em solo brasileiro. CONDE (2007 pag. 27) diz que por não haver documentos anteriores ao final do século XVII e inicio do século XVIII, não se pode carimbar sua origem. Assim hipoteticamente, a capoeira teria nascido no Brasil, mais especificamente, nas senzalas, dando recurso ao escravo para fugir e ganhar liberdade e construir os quilombos. O próprio CONDE (2007) acrescenta dizendo que: “essa origem da capoeira apresenta-se sem nenhuma referência a uma história documentada, nem proveniente dos ensinamentos dos antigos mestres, talvez para legitimar certas posições ideológicas”. (CONDE 2007 p. 26).
Muito embora seja suficientemente esclarecido que a capoeira é uma luta surgida no Brasil, é preciso considerá-la como parte da dinâmica constante da cultura afro-brasileira. Assim, a capoeira surgiu de um conjunto de aspectos pré existente nas culturas das comunidades africanas (rituais, danças, jogos, cultura musical etc).
É assim que devemos compreender a questão a capoeira surgiu no Brasil como luta de resistência de uma comunidade que trazia uma imensa bagagem cultural de sua terra de origem e que precisou desenvolver um conjunto de técnicas de ataque e defesa em virtude da situação de opressão em que vivia durante a escravidão. Aliás, devemos considerar que a capoeira faz parte de todo um processo de resistência dos negros no Brasil, que também se expressou na religião, na arte, na cultura, na culinária etc.
Em outras palavras: era necessário aos negros não só permaneceram vivos e lutarem pela sua liberdade era preciso também preservar aspectos de sua cultura ancestral. Iê Viva a Raça Negra camará!
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